Por Antonio Fonseca
A nova lei de licitações prevê a obrigatoriedade de programa de integridade nas compras de grande vulto (Lei 14.133/2021), nas condições previstas em regulamento (Decreto 12.304/2024). Segundo a lei, grande vulto corresponde a valor que supere R$ 200 milhões.
No ano de 2023, o total de contratos no âmbito federal corresponde ao montante de R$ 91,75 bilhões. É razoável supor que a grande maioria das compras públicas foi de valor inferior a R$ 200 milhões. Por que se exigir programa de integridade somente de fornecimento correspondente a R$ 200 milhões? Esse valor é muito menor (R$ 5 milhões) na lei do Distrito Federal (L. 6.112/18). A lei e o decreto federais passam uma noção errônea de que é dispensável a prática de integridade nas situações que envolvam compras ou contratos de grande vulto.
É certo que a elaboração e manutenção de programa de integridade eficaz significa um custo, a incidir no funcionamento das empresas. Como enfrentar o custo do programa de integridade? Essa questão foi enfrentada no PLS 303 de 2016, de autoria do Senador Reguffe. O texto nunca foi convertido em lei, mas existe como elemento de pesquisa (https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3922687&ts=1674177283238&disposition=inline).
A grande dificuldade de se exigir programa de integridade nas licitações vem do fato de que nem sempre o poder público pratica gestão da integridade. O PLS admite que a autoridade, livre na formatação do plano de integridade, considere no processo licitatório o programa de integridade como condição de participação e como critério de julgamento da proposta mais vantajosa. O quadro abaixo esclarece todas as possibilidades:
HIPÓTESE | MODALIDADE APLICÁVEL DE CONDIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO OU DE CRITÉRIO DE JULGAMENTO | ARTIGO |
1 | Manifestação em que o licitante vencedor ou contratado declara que conhece a estratégia de integridade do órgão ou ente público, possui programa de integridade ou sistema equivalente e assume o compromisso de manter a sua efetividade. | 23 |
2 | Apresentação de documentação de programa de integridade. | 24 § 1º |
3 | Prova de existência e prova da efetividade e compromisso de manter a efetividade. | 24 § 2º |
4 | Programa plus – além da prova da existência e da efetividade do programa, ao licitante vencedor é exigida condição específica, seja como condição de participação ou como critério de desempate, conforme o edital disciplinar. | 24 § 3º c.c 25 |
5 | Sistema integrado de conformidade aplicável na construção e na exploração de infraestrutura. | 26 |
Na hipótese 1 do Projeto de Lei, ao assinar declaração no sentido de que é uma organização ética, a pessoa jurídica assume as consequências da sua manifestação. O mesmo se aplica à organização que apresenta documentação relativa a seu programa, hipótese 2, dispensada de cumprir qualquer outra exigência de comprovação de sua efetividade. O art. 25 c.c. § 3º do art. 24 do PLS 303/2016 prevê uma hipótese de desempate, à escolha do Poder Público. O critério de desempate vem de lei, que apenas autoriza o Poder Público a adotá-lo. E deve em princípio estar presente no edital.
Elementos específicos são previstos no § 3º do art. 24 como condição de participação na licitação. Isto é, nem todos os programas de integridade contemplam os elementos previstos nos incisos I a VII do § 3º do art. 24. Essa disposição autoriza o Poder Público a adotar esses elementos seja como condição de participação no processo licitatório ou como critério de julgamento da proposta mais vantajosa; tal é o exato escopo do art. 25 do PLS 3031.
Ato do Poder Executivo poderá adotar outras medidas complementares (art. 27). O presidente da República, o governador do Estado ou o prefeito, ao considerar o histórico de corrupção em locais específicos, bem como os riscos mais graves de perdas à Fazenda Pública, deverá baixar decreto para, estrategicamente, especificar exigências, responsabilidades, processos e penalidades. O Projeto de Lei chega até a prever sistema sofisticado de integridade aplicável ao ambiente de governança na exploração de infraestrutura. É um arranjo de compliance setorial, com a previsão de espaço próprio para a solução e prevenção de disputas. Esse complexo poderá ser indicado para os grandes empreendimentos de longo prazo, que reúnem uma multiplicidade de relações jurídicas.
A colaboração ética entre os stakeholders no ambiente de negócio (a) ancora-se no pressuposto de que nenhum grupo pode alcançar um ambiente ético sozinho; e (b) viabiliza a sustentabilidade do mercado, em termos de diluir custos de operacionalização estratégica.
- Livro: Compliance, Gestão de Riscos e Combate à Corrupção – integridade para o desenvolvimento”, publicada pela ed. Fórum, 2ª ed., 2020.
Ex-subprocurador-geral da República e integrante do Conselho de Ética do Instituto Ética Saúde
* A opinião manifestada é de responsabilidade dos autores e não é, necessariamente, a opinião do IES